A CONSTRUÇÃO DO CÂNONE NA HISTÓRIA DA MÚSICA OCIDENTAL
Na História da Música Ocidental a noção de património histórico-musical acumulado foi sofrendo mudanças acentuadas no decurso dos séculos. A Igreja Católica desde muito cedo procurou fixar e impor um repertório músico-litúrgico de cantochão que tanto quanto possível fosse universal no espaço da Cristandade e permanecesse em uso imutável ao longo dos tempos, mas mesmo esse esforço se viu obrigado a adaptar-se à evolução do gosto musical dominante em cada período e a conviver com outras formas de Música Sacra marcadas pela inovação estética, técnica e estilística. Na esfera secular, se bem que as músicas tradicionais populares fossem transmitidas sobretudo por tradição oral e tivessem por isso um ritmo de mudança mais lento, no que se refere à composição erudita a introdução da imprensa musical e a expansão da rede de edição e distribuição tendeu gerar uma prática musical centrada sobretudo nas novas composições escritas a cada momento, levando a uma constante renovação do repertório. Só com a emergência de uma nova consciência histórica, a partir do Iluminismo, e depois já do Romantismo, se coloca a questão do progressivo alargamento temporal retrospectivo do cânone musical, à medida que a Musicologia nascente vai revelando nos arquivos partituras há muito esquecidas, o que permite que hoje em dia a vida concertística assente num cânone de mais de mil anos de criação musical redescoberta.
Nota biográfica
Rui Vieira Nery nasceu em Lisboa em 1957. Musicólogo e Historiador Cultural, é Licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa e Doutorado em Musicologia pela Universidade do Texas em Austin. É actualmente Professor Associado do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e Director do Programa Gulbenkian Cultura na Fundação Calouste Gulbenkian.