Teresa Desterro

Entre a objectivação da forma e a projecção dos sentidos: a representação artística como meio de renovação espiritual na Época Moderna 

A cultura devocional europeia pressupôs, desde tempos medievos, a crença na representação imagética enquanto meio persuasor, não apenas da oração, como das demais práticas religiosas. No dealbar da Modernidade, acentua-se esta ideia graças à difusão das correntes piedosas da Devotio Moderna, que induziam nos artistas a preocupação com o estabelecimento de uma relação particular e íntima entre o fiel e a imagem.

Foi, contudo, a realização da XXXVª sessão do Concílio de Trento (1563), dedicada à dimensão catequética, emotiva e espiritual das obras de arte sob o signo da fé, que consagrou a busca de uma nova espiritualidade através da representação artística. Sob as suas diversas formas a imagem adquire, a partir da centúria de Quinhentos, uma presença táctil esquecida desde a Antiguidade e um novo estatuto, fundado sobre a nova concepção da forma como espectáculo.

A doutrina católica definida em Trento foi acatada pela coroa portuguesa como lei nacional, elemento nuclear da razão de Estado, exacerbada no lustro em que o Cardeal-Infante D. Henrique exerceu a governação. Num país onde a amplitude e vigor do poder contratual de imagens sacras era apanágio quase exclusivo da Igreja, as Constituições Sinodais dos bispados deram corpo de lei aos postulados tridentinos, vistoriados pelos visitadores episcopais que controlavam a prática dessas realizações.

A compreensão destas normativas é extraordinariamente relevante na abordagem da obra de arte já que, muitas das imagens devocionais, mais não eram do que uma forma de retórica visual na qual os detalhes iconográficos assumiam a primazia enquanto elementos chave da descodificação da mensagem. Independentemente das correntes filosóficas e dos ideais estéticos de beleza perfilhados pelos diversos artistas, as prescrições tridentinas viriam a exercer uma influência transversal a diferentes regiões e contextos ao longo das centúrias seguintes, tornando-se iconologicamente determinantes no domínio da arte sacra e carreando uma profunda transformação na natureza das relações entre a imagem e o espectador.

 

Nota Biográfica

Maria Teresa Desterro é Professora Adjunta na Escola Superior de Tecnologia do Instituto Politécnico de Tomar, onde exerce também as funções de Directora da Unidade Departamental de Arqueologia, Conservação e Restauro e Património, e de Directora da Licenciatura em Conservação e Restauro. É, ainda, membro da Direcção do Centro de Estudos em Arte e Cultura do mesmo Instituto Politécnico.

Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Mestre em História da Arte pela mesma Faculdade, é Doutorada em História de Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2008).

Da sua obra publicada, destacam-se os livros O Mestre de Romeira e o Maneirismo escalabitano, 1540-1620, Ed. Minerva, Coimbra, 2000, O Retábulo da Varziela, Ed. Câmara Municipal de Cantanhede, 2001 e A Santa Casa da Misericórdia de Thomar – 500 anos de História, Ed. Visual Arte, Tomar, 2010.

É autora de diversos artigos publicados em revistas da especialidade, e tem participado como conferencista em variados Congressos nacionais e internacionais.

Coordenou a equipa responsável pela elaboração do Inventário do Património Artístico de Santarém, promovido pela Câmara Municipal de Santarém.

É membro integrado do CIEBA/FBAUL (Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes da Faculdade de Belas Artes de Lisboa) e colaboradora do ARTIS/ FLUL (Centro de Investigação de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).

 

 

 

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