António Matias Coelho

António Matias Coelho é ribatejano: nasceu em Salvaterra, em 1957, e vive e trabalha há mais de 30 anos no triângulo Golegã, Chamusca, Constância.

Foi professor de História dos ensinos básico e secundário, tendo lecionado na Escola da Chamusca de 1982 a 2013, quando se aposentou.

Colaborou com a Câmara Municipal da Chamusca durante 13 anos (1985/1998), tendo montado e dirigido a primeira Biblioteca Pública Municipal, inaugurada em 1988, e nesse âmbito organizou diversos eventos culturais, entre os quais os dois Encontros sobre as Atitudes perante a Morte (1989 e 1991), de onde resultou o livro com esse título, publicado, sob sua coordenação, pela Livraria Minerva (Coimbra, 1991). Desenvolveu nesse período intensa atividade de investigação etnográfica e museológica, tendo coordenado a montagem de diversos núcleos museológicos, com destaque para a Casa Rural Tradicional (1986) e o Núcleo de Funerária (1989). A Câmara Municipal da Chamusca publicou 13 trabalhos seus, entre os quais se salientam Os últimos avieiros do Tejo no Concelho de Chamusca (1985, 2.ª ed. 1986, 3.ª ed., Âncora Editora, 2011), Carnaval (algumas notas) (1986, 2.ª ed. 1990),Casa Rural Tradicional do Concelho de Chamusca (quatro edições: 1986, 1987, 1988, 1998), A Espiga, a Ascensão e a Chamusca (1994), Cadernos da Ascensão: A Água (1995), A Terra (1996), A Gente, (1997) A Fé e a Festa (1998) e Os Abrigos da Memória (2012).

Colabora com a Câmara Municipal de Constância há 27 anos. É o autor do epíteto Constância, Vila Poema que está hoje consagrado. Entre as inúmeras tarefas que tem desenvolvido, salientam-se a revitalização da Festa de Nossa Senhora da Boa Viagem, sendo o responsável, desde 1991, pelo cortejo fluvial e pela Bênção dos Barcos, bem como a sua ativa participação na criação e promoção das Pomonas Camonianas que em 2016 cumprem a 21.ª edição. O município de Constância, para além de muitas dezenas de artigos no Boletim Informativo, publicou três livros de sua autoria – Festas de Nossa Senhora da Boa Viagem em Constância. A bênção dos barcos e o abraço dos homens (1991), Nos rios de Constância: a Faina, a Fé e a Festa (1998) e Histórias do Património do Concelho de Constância (1999) e, em co-autoria, a Carta Régia de Punhete (Constância) 1561 (2007).

Conferencista e moderador em dezenas de congressos, simpósios, seminários, colóquios e encontros, tem vasta colaboração em diversas revistas da especialidade e em atas, no âmbito da História e do Património Cultural e do Turismo. Tem igualmente prefaciado e apresentado publicamente vários trabalhos de outros investigadores, em especial sobre História e Cultura locais e regionais. Colabora regularmente com os jornais Novo Almourol e mediotejo.net.

É associado de diversas instituições, como a Associação Casa-Memória de Camões em Constância, o Centro de Investigação Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão e o Fórum Ribatejo.

fevereiro 2016

 



Comunicação

Os mortos e nós



Resumo

Os cemitérios como os conhecemos hoje – murados, em geral afastados das povoações, com portão e horário de funcionamento – existem apenas há cerca de duzentos anos.

No Antigo Regime – o longo período da História da Europa ocidental que antecedeu a Revolução Francesa e as revoluções liberais que ela inspirou –, os mortos eram sepultados nas igrejas (os principais) ou no adro delas (a gente comum). Numa sociedade rigidamente hierarquizada e profundamente religiosa, em que a vida era encarada como uma caminhada para se merecer o Céu e o que contava não era tanto o indivíduo mas o coletivo (o povo de Deus), a morte era entendida em geral como uma libertação: preparava-se, morria-se em casa, em família e depois enterrava-se o morto junto dos demais, muitas vezes em vala comum, sem honras nem epitáfios, ao pé da igreja. De modo que vivos e mortos comungavam o mesmo espaço e os vivos passavam pelo meio dos seus mortos cada vez que iam à missa.

O triunfo da burguesia e das ideias liberais veio criar uma sociedade nova, fundada nos valores iluministas da liberdade, da igualdade e da fraternidade que privilegia o indivíduo, o trabalho, a razão e a ciência e progressivamente se seculariza e se afasta de Deus e da Igreja. É esta sociedade, construída a partir dos finais do século XVIII e princípios do século XIX – a sociedade em que vivemos nós hoje – que impõe a criação dos cemitérios civis, fora das povoações, circundados por altos muros e que reservam um espaço para cada morto, segundo a lógica Um homem, um voto / Um homem, uma campa. E um nome. E um epitáfio. E depois uma fotografia. E o muito mais que podemos descobrir nos nossos cemitérios.

Quem faz os cemitérios não são os mortos. São os vivos. E fazem-nos não apenas para os mortos, mas também (para não dizermos sobretudo) para os vivos. Por isso, a organização da cidade dos mortos – com as suas avenidas, os diferentes tipos de habitações que contém, a forma de as embelezar, as suas relações de vizinhança, a hierarquização dos seus espaços – obedece a critérios semelhantes aos da cidade dos vivos.

Assim, os cemitérios funcionam como espelhos das aldeias, vilas ou cidades que os produzem. O conhecimento de uma qualquer comunidade ficará sempre incompleto se não incluir o seu cemitério.

Por outro lado, o cemitério é, em si mesmo, um museu: é um campo de memórias e de homenagens que oferece uma imensidão de elementos de trabalho e um repositório de peças de arte de diferentes épocas que são sinais mais duradouros de atitudes e de relações efemeramente existentes no mundo dos vivos.

Ao longo dos séculos não é a morte que tem mudado. É a vida. E a criação dos cemitérios contemporâneos, ou seja, a criação da cidade dos mortos, separada do mundo dos vivos, não representa apenas uma simples mudança de lugar de enterramento: significa sobretudo uma profunda alteração de paradigma da nossa existência na Terra. 

 

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